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A covid-19 mostrou as desigualdades sociais nas cidades, mas o futuro vai ser nas cidades


Seja em Cascais ou em Barcelona, a pandemia foi como uma lente de aumentar que mostrou o que de mau se passava nas cidades, como as desigualdades sociais. Mesmo assim, cada vez mais pessoas vão morar nos centros urbanos. Mas espera-se que estes sejam mais sustentáveis e tecnológicos.


"As cidades pós-pandemia: como a covid-19 pode mudar o planeamento urbanístico" foi a pergunta a que tentaram responder Javier Matilla Ayala, arquiteto-chefe da Câmara de Barcelona, Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, e Miguel Eiras Antunes, Global Leader for Smart Cities da Deloitte.


"Em Cascais temos um planeamento muito sólido, o que nos permite em situações destas não ter de destruir tudo. Mas isso é fruto de uma estratégia longa, que hoje nos permite ser flexíveis. A vila ter de se adaptar a uma nova realidade pós-covid. Eu, por exemplo, tive de começar a fazer pão em casa. O setor da distribuição, as escolas, os transportes têm de ser repensados", afirmou Miguel Pinto Luz.


O uso dos transportes públicos nesta época de pandemia tem sido amplamente discutido e é um dos setores que mais está a sofrer. Em Cascais, e na Área Metropolitana de Lisboa, isso não é exceção. "A Área Metropolitana de Lisboa tem sofrido nos últimos dois anos uma revolução nos transportes públicos, registando uma subida de 30% de utentes. Agora registou-se uma quebra e Cascais, que tem uma rede de transportes públicos grátis, também sentimos uma queda. Atacámos essa situação muito cedo, as pessoas sentiram isso e agora a curva é ascendente. Não com números pré-covid, mas estamos a subir. O ritmo ascendente na utilização do carro ainda é superior ao dos transportes públicos. O que nos leva a estar preocupados com estes números, não só por questões ambientais, mas também pela questão do tempo", explicou o autarca.


Cascais e Barcelona têm mais de 1000 quilómetros entre si, mas esta pandemia está também a fazer os responsáveis urbanísticos da capital da Catalunha repensar estratégias. "A covid é uma espécie de lente de aumento dos problemas que já existiam na cidade de Barcelona. A questão ambiental, por exemplo: a covid permitiu vermos uma cidade sem ruído, onde podíamos cheirar as flores. Temos uma cidade que, do ponto de vista do desenvolvimento económico, tem muitos turistas. Temos de ter mais equilíbrio económico e social na cidade. Temos também de incentivar a um maior uso dos transportes públicos. Mas também recuperar o direito à saúde e esse deve ser a prioridade nas políticas urbanísticas", afirmou Javier Matilla Ayala, arquiteto-chefe da Câmara de Barcelona.


"Há diferenças nas respostas das cidades espanholas à covid-19, mas também uma constante, que é uma distribuição territorial desigual. Por exemplo, a zona norte de Madrid é mais pobre do que a zona sul. O que nos leva a ter de pensar na distribuição urbanística. Temos de adequar os espaços públicos à nova realidade", prosseguiu o responsável catalão.


Todos iguais, todos diferentes


Outra das questões debatidas é se a forma como as cidades reagiram à pandemia é um reflexo do país onde se encontram. Miguel Eiras Antunes, Global Leader for Smart Cities da Deloitte pensa que não. "Aquilo que a cidade é depende dos cidadãos que lá vivem, do seu governo. Temos 90 mil cidades no mundo e cada caso é um caso."


Para este especialista, a covid-19 atingiu todas as cidades da mesma maneira. "Houve um ataque à saúde pública dos cidadãos, um ataque à economia nacional e local, um ataque ao negócio do governo", prosseguiu Eiras Antunes, para quem "as prioridades na mobilidade, na saúde, até na gestão do lixo teve de mudar."


Mas apesar de a pandemia ter atingido todas as cidades por igual, "existem umas que estavam mais bem preparadas e reagiram melhor. Cascais é um exemplo disso", afirmou este responsável. "O ponto de partida é diferente para todos, mas o ataque foi igual."


Olhando para exemplos concretos parece claro que existem diferenças no impacto da covid dentro das cidades, nomeadamente entre os tecidos urbanos com maiores e menores rendimentos. Miguel Pinto Luz garantiu esta tarde que Cascais foi o concelho do país que mais testes fez à covid-19. "Temos informação georeferenciada de todos os testes e conseguimos perceber quais as zonas mais afetadas. Percebemos que as zonas de mais baixa renda são as mais pressionadas pela covid. O que nos leva a refletir para agir e mudar estas diferenças. Isso temos de combater", afirmou o vice-presidente da Câmara de Cascais.


Já Madrid tem sido notícia precisamente por essas diferenças, com a questão do confinamento a ser uma guerra de classes sociais. Em Barcelona a situação também não é diferente. "Sim, o contexto é similar. Em Barcelona, o impacto também tem sido desigual e com maior impacto nos bairros populares. As pessoas destes bairros são as que mais usam os transportes públicos. E é também nestes bairros que existem a casas mais pequenas", explicou Javier Matilla Ayala. "Mudar isto é um debate que está aberto, como mudar esta estrutura territorial", adiantou o arquiteto-chefe de Barcelona.


Mais sustentáveis e tecnológicas


Será que existem umas cidades melhores do que outras urbanisticamente? "Eu diria que não. Nós vamos viver mais em cidades, 70% da população mundial vai estar em cidades", respondeu Miguel Eiras Antunes. "O tema do remoto nas cidades vai passar a ser um tema relevante, o futuro será nessa linha. O uso da tecnologia no dia a dia da cidade é inevitável e é preciso um investimento, que poderá passar por parcerias público-privadas e fundos europeus", prosseguiu este especialista em cidades inteligentes.


Eiras Antunes chamou ainda a atenção para a necessidade de passar a existir uma "interoperabilidade para desburocratizar", não só entre serviços, mas também entre cidades. Um projeto no qual a União Europeia já está a trabalhar.


Outro caminho inevitável é o da sustentabilidade nas cidades. "A União Europeia quer, até 2030, 100 cidades carbon neutral. Neste momento, as cidades são autoras de 75% das emissões de carbono", informou Eiras Antunes.


Na opinião do Global Leader for Smart Cities da Deloitte, o futuro pós-pandemia "pode ser uma oportunidade para as cidades no interior devido ao trabalho remoto." "O tema 'Work from Portugal' devia ser uma aposta do governo. As empresas estão a apostar no work from anywhere e porque não esse destino ser Portugal? O que levaria também a uma mudança urbana", sugeriu.


Será que a covid-19 vai mudar a forma como o poder político local tem pensadas as regras urbanísticas, até para evitar a perpetuação dos blocos urbanos que agora têm sido mais afetados pela pandemia? "Nós já estamos num processo de revisão do nosso PDM [Plano Diretor Municipal]. Tem de se apostar em espaços como as hortas urbanas, na agricultura, para termos forma de abastecimento mais perto dos centros urbanos, por exemplo", referiu o vice-presidente de Cascais, referindo que a vila tem sentido "um movimento pendular de pessoas que querem sair de Lisboa e vir para Cascais."


Javier Matilla Ayala defendeu que "a cidade vai continuar a ser a resposta, mas terá de ser uma cidade melhor." "Temos de mudar o espaço público, temos de deixar o asfalto. Devemos preparar o espaço público para os mais velhos, para as crianças. Temos também de melhorar a qualidade de habitabilidade, pois temos um parque edificado pouco inteligente", sublinhou o arquiteto-chefe da Câmara de Barcelona.

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