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A urgência do planeamento da mobilidade urbana na resiliência das cidades


É urgente resgatar espaço ao automóvel, apostando nos modos suaves, como andar a pé e de bicicleta nas curtas distâncias ou nos transportes públicos nas maiores, integrando a estrutura ecológica urbana no desenho da cidade.

O mundo nunca mais será o mesmo depois de 2020 e a mobilidade urbana vai ser essencial nesta nova equação do planeamento das cidades. Sabemos que o planeta nos obrigou a parar para termos a consciência de que tinha atingido o seu limite. Os dados mostram que o maior número registado de mortes por covid-19 coincide com as cidades mais poluídas. Há especialistas que referem que vamos ter de viver em permanentes pandemias, de outras origens e formas, cujas frequências terão ciclos de tempo cada vez mais curtos. Por outro lado, também temos registos que evidenciam que mais de um terço do dióxido de carbono libertado para a atmosfera advém dos transportes e mobilidade. Assim, não se pode negligenciar as preocupações com o uso e abuso do automóvel.


Durante décadas, as vilas e as cidades foram desenhadas para automóvel. Antes da pandemia, havia cidades que estavam engarrafadas todo o dia e não temos dúvida de que esta situação veio contribuir de forma inequívoca para os problemas de saúde pública que agora estamos a enfrentar. Como podemos inverter esta tendência? Só vejo uma maneira: planeando as cidades. Planear a mobilidade e integrá-la com o planeamento urbano e o ordenamento do território. Evitar que todos nós tenhamos de fazer longas distâncias para nos deslocarmos para o trabalho ou escola. Evitar ainda a construção de espaços urbanos monofuncionais. É da multiplicidade funcional que deverão ser construídos os nossos bairros e as nossas cidades. De resto, muito tenho escrito sobre o tema, sublinhando a necessidade de espaços onde a escala urbana seja mais humana. Onde as crianças possam voltar a brincar e jogar a bola. Onde as gerações mais velhas possam cuidar das mais novas, sentadas num banco de jardim, debaixo da frescura de uma árvore. Ou seja, é urgente resgatar espaço ao automóvel, apostando nos modos suaves, como andar a pé e de bicicleta nas curtas distâncias ou nos transportes públicos nas maiores, integrando a estrutura ecológica urbana no desenho da cidade. Mas, como incentivar os cidadãos a usarem os transportes públicos se, por outro lado, os traçados, horários e frequências, na maior parte das vezes, não estão alinhados com as cadeias de deslocação geradas durante as múltiplas tarefas profissionais e familiares que se têm de conciliar? A que acrescem as inúmeras barreiras urbanísticas e arquitetónicas que impedem o acesso às pessoas com mobilidade reduzida? De resto, importa referir que se, por um lado, 60% das deslocações em automóvel são efetuadas para distâncias menores que 3 km, por outro, quando negligenciamos o desenho universal, apenas desenhamos cidades para 40% dos cidadãos. O que é preciso fazer? Tomar decisões políticas! As orientações técnicas há muito que estão referenciadas. Apontam a necessidade de inverter esta tendência excessiva de andar de automóvel e seguem uma mobilidade mais suave, amiga, inclusiva e sustentável. Ou seja, se, por um lado, a mobilidade urbana tem de responder às análises dos padrões de mobilidade, por outro, tem de responder, com urgência, aos desafios que o nosso planeta nos está a lançar em matéria de descarbonização e alterações climáticas. Neste momento e depois destes meses de confinamento, as cidades terão de se preparar, para o retorno às atividades e, consequentemente, ao espaço público. Serão medidas simples a tomar, aproveitando as diversas faixas que eram dedicadas aos automóveis, transformando-as em ciclovias, em corredores BUS/BRT ou de emergência e, ainda, ampliando os passeios, segregando-as por pinturas, mobiliário urbano ou simplesmente através de sinalização temporária, como balizadores.


Por todo o mundo, diversas ruas tornaram-se de coexistência, pedonais ou partilhadas e os sentidos de circulação automóvel aproveitam esta oportunidade para serem repensados. Desenham-se, ainda, novos lugares de estadia e esplanadas, ampliam-se as praças e os lugares de vivência, cuida-se das cidades como se fossem as nossas casas, onde os ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, impostos pelas Nações Unidas, estão integrados. Em síntese, a par de medidas de teletrabalho que reduzem emissões, soluções de mobilidade recorrendo a soluções de acupuntura urbana são implementadas, de acordo com as estratégias definidas nos Planos de Mobilidade Urbana Sustentável, os únicos documentos técnicos de apoio político, que poderão integrar, numa visão holística, todos os layers que compõem os desafios de hoje. Para isso, precisamos de políticos fortes, determinados e sem medo, que não trabalhem para o populismo obsessivo, mas sim, na necessidade do exercício de planeamento, capaz de construir cidades mais sustentáveis e mais resilientes.

Paula Teles, Fundadora e CEO da MPT

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